IA e Valores: as pontas perdidas nas soluções de IA nas empresas 1 2
O uso de inteligência artificial, tomada como um termo genérico, incorporando desde processos generativos GenIA, Deep Learning, LLM, até General IA, é considerado necessário para todas as empresas, posições de trabalho, atividades e processos em uma azáfama em poder ser potencialmente a solução de eficiência, de eficácia e até de criatividade para ... tudo.
Sem dúvida, o impacto desta tecnologia, aliada a soluções de biotecnologia /genética e IOT mudam e vão mudar ainda mais as formas de trabalho, as relações sociais e a própria organização das empresas, das cidades e da sociedade.
Exemplos do passado levaram a mudanças similares: as estradas romanas mudando o entendimento do mundo; a industrialização levando a reorganização das populações entre o campo e a cidade; a prevalência dos automóveis defiindo como as cidades são organizadas; e outras mais polêmicas que talvez não tenhamos o distanciamento histórico para avaliar.
A mudança que enfrentamos agora tem duas pontas perdidas que não têm recebido a atenção ou o foco adequado ou, pelo menos, muito menos discutidas, no afã de criar novas soluções ou encontrar a próxima solução dominante ou vencedora para desenovlover ou um unicórnio, ou uma nova sociedade, ou mesmo um ponto de inflexão.
Curiosamente ambas podem ser englobadas em uma mesma palavra em português: Valores. Usando duas interpretações distintas:
De um lado, poder-se-ia dizer na entrada, o Valor da informação com a qual se trabalha. Do outro, a saída ou o resultado a ser alcançado, o Valor que se entrega.
Estes valores, tanto na entrada quanto na saída, integram redes complexas com muitos elementos e interações. Uma forma consolidada de analisá-las é identificando tríades 3 que sejam generalizações dos elementos da rede.
A informação sobre a qual se trabalha, a entrada, pode ter seu valor analisado pela tríade: Precisão, Tempestividade, e Polarização. Ela tem valor se for uma informação precisa, entregue e organizada tempestivamente, e de uma forma que não leve a polarização em uma dada direção.
A precisão da informação é por si mesmo um problema. Se consideramos valores numéricos o problema de conhecer a fonte e o significado da informação é menos trivial do que se assume. O exemplo clássico é falarmos de um saldo ou de uma posição de um caixa: é um valor instantâneo, corrente ou é um valor médio? É um dado primário ou secundário (resultado de cálculos anteriores)? Se reflete uma tendência ou é relativo a um valor de referência (por exemplo, um índice ou uma cotação) este valor foi utilizado consistentemente. Sempre é um ponto esquecido que o uso descuidado de recursos computacionais pode levar a erros de arredondamento. Tais erros podem eliminar a validade dos valores acima de um certo número de casas decimais.
Adicionalmente todas as informações consideradas são consistentes no tempo nos dois sentidos: estão disponíveis na hora que são necessárias para a decisão e estão todas consistentes como uma foto do mesmo momento? Análises, que combinam dados de períodos distintos como sendo de um mesmo período, podem levar a decisões discutíveis.
Ao considerar dados não estruturados trabalhados estatisticamente ou por recursos de LLM ou genericamente de IA, é possível garantir que refletem a melhor informação disponível originada de fontes primárias confiáveis? Ou são resultados da acumulação de processos anteriores de análise e interpretação podem forçar um viés de análise e conclusão. Os próprios algoritmos de análise, aprendizado, geração e transformação podem ter injetado polarizações nas informações disponíveis antes mesmo de serem trabalhadas para a solução desejada para a empresa.
Uma análise similar pode ser feita sobre os valores da saída do processo, a informação ou ação produzida pelo sistema. Novamente pode-se utilizar uma tríade para esta análise considerando o valor que esta informação ou ação gerada pelo sistema de IA entrega para a empresa, para a sociedade e para os indivíduos envolvidos.
Tradicionalmente esta tríade reflete os resultados da empresa, a manutenção da estabilidade social e o bem-estar dos indivíduos afetados.
Porém a mudança causada pelos sistemas de IA provocam disrupções:
- na empresa e no seu modo de operar,
- nas estruturas socias criando novas divisões sociais (nativos digitais x não nativos digitais ou mais extremamente, formados com IA x formados tradicionalmente) e
- no dia a dia operacional das pessoas que passam a ter "uma extensão do próprio corpo" no dispositivo digital que tem ao alcance do qual não consegue se desligar, hoje por comunicação e cada vez mais por ser fonte de informação imediata (evoluindo o celular para dispositivos usáveis como óculos ou fones "inteligentes").
Neste enfoque ,a tríade tradicional resultado dos negócios / estabilidade social / bem-estar individual tem que ser substituída por novas formas de relacionamento ou análise, que pode talvez ser definida como propósito / mobilidade social / realização individual.
Para as empresas o seu propósito passa a ser o guia maior da sua forma de atuação. Sua sobrevivência passa a depender de comunicar para o conjunto de stake holders um propósito que seja compartilhado para viabilizar o que a empresa faz.
A estrutura social passa a ser tolerante a uma mobilidade social não apenas vertical da sociedade tradicional, mas multifacetada com trocas de caminhos e de fidelidades.
Esta relação de propósito e mobilidade social complementa-se com a realização individual onde cada um tenta realizar um caminho que seja a sua melhor trajetória pessoal.
Os Valores da entrada: Precisão / Tempestividade / Não Polarização são mais fáceis de construir a partir do que temos na história. É possível relacionar com os caminhos que foram trilhados.
Por outro lado, os Valores de saída: Propósito / Mobilidade / Realização Individual formam um novo universo que não está dominado e que não se conhece ou se modela com facilidade nos fatos do passado. As empresas perceberam a pressão pela necessidade de propósito. A rejeição ao modelo de negócio tradicional baseado em geração de necessidades já acontece. Desejam menos e alinhados melhor com as visões de cada um.
A mobilidade é uma questão aberta ao ter que se considerar grandes massas de indivíduos que devem migrar. Talvez algo que se tenha visto, em passos lentos, na migração do campo para as cidades no século XIX, ou na ocupação do oeste nos Estados Unidos, em ambos os casos gerando situações instáveis e violentas que perduraram anos.
A individualidade explode hoje em divisões e radicalismos. Grupos se encastelam em suas características, reagem de forma acre à existência de outros grupos que, em parte ou totalmente, se opõem ao que defendem. A individualidade passa ser a verdade para cada um.
Cabe a todos que se envolvem no desenvolvimento e aplicação dos sistemas de IA atentar para os estes valores nas pontas de entradada e saída. Valores que, algum deles, podem ser interpratados com o que se construiu no passado, outras que se tornam importantes neste novo mundo de pessoas e soluções. Não se pode eximir da responsabilidade de saber a quais valores estes sistemas atendem e como vão auxiliar a direcionar a sociedade e a realização de todos os indivíduos.
Ou na Tempestade: "O brave new world that has such people in't"
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Trabalho suportado pela Board Academy ↩︎
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Trabalho suportado pelo CEST - Centro de Estudo Sociedade e Tecnologia ↩︎
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Sobre tríades: Como publicado em SIMONETTE, Marcel; MAGALHÃES, Mario; SPINA, Edison. Digital Transformation of Academic Management: All the Tigers Come at Night. In: Burgos, Daniel; Branch, John Willian; (editors). Radical Solutions for Digital Transformation in Latin American Universities. Singapore: Springer, 2021. p. 77--92. (Lecture Notes in Educational Technology). Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-981-16-3941-8. Acesso em: 21 abr. 2025.
"Embora a pesquisa sobre tríades tenha se originado na sociologia (por exemplo, Caplow, 1956), pesquisadores da área de administração e negócios desenvolveram diversos estudos sobre tríades. Havila et al. (2004), Madhavan et al. (2004), Phillips et al. (1998) e Ritter (2000) são alguns exemplos. Smith e Laage-Hellman (1992) e Ritter (2000) argumentam que analisar tríades em redes é suficiente para compreender as inter-relações entre os elementos da rede. Além disso, as tríades permitem a generalização do nível micro para um nível mais amplo da rede (Easton & Lundgren, 1992). Consequentemente, uma tríade é a menor unidade que apoia a simplificação da análise de redes Inter organizacionais.
Uma característica relevante de uma tríade é que ela nunca é estável. Não há equilíbrio perfeito entre as três díades que compõem o trio (Carson et al., 1997; Gutek et al., 2002)."
Referências mencionadas no parágrafo:
CAPLOW, Theodore. A Theory of Coalitions in the Triad. American Sociological Review, v. 21, n. 4, p. 489--493, 1956.
HAVILA, Virpi; MEDLIN, Christopher J.; SALMI, Asta. Project termination and the interaction between business relationships. Journal of Business & Industrial Marketing, v. 19, n. 3, p. 179--187, 2004.
MADHAVAN, Ravindranath; GNYAWALI, Devi R.; HE, Jinyu. Two's Company, Three's a Crowd? Triads in Cooperative-Competitive Networks. Academy of Management Journal, v. 47, n. 6, p. 918--927, 2004.
PHILLIPS, Nelson; LAWRENCE, Thomas B.; HARDY, Cynthia. Discourse and institutions. Academy of Management Review, v. 23, n. 4, p. 635--652, 1998.
RITTER, Thomas. A framework for analyzing interconnectedness of relationships. Industrial Marketing Management, v. 29, n. 4, p. 317--326, 2000.
SMITH, Peter C.; LAAGE-HELLMAN, Jan. Small group analysis in industrial networks. In: AXELSSON, Björn; EASTON, Geoff (org.). Industrial Networks: A New View of Reality. London: Routledge, 1992. p. 37--61.
EASTON, Geoff; LUNDGREN, Anders. Changes in industrial networks as flow through nodes. In: AXELSSON, Björn; EASTON, Geoff (org.). Industrial Networks: A New View of Reality. London: Routledge, 1992. p. 89--104.
CARSON, Paula P.; CARSON, Kerry D.; KOUSE, Stephen B.; BODNER, Linda. Balance Theory Applied to Service Quality: A Focus on the Organization, Provider, and Consumer Triad. Journal of Business and Psychology, v. 12, n. 1, p. 99--120, 1997.
GUTEK, Barbara A.; GROTH, Markus; CHERRY, Benjamin. Achieving service success through relationships and enhanced encounters. Academy of Management Executive, v. 16, n. 4, p. 132--144, 2002.