** Governança não é Gestão** 1 2
Gestão foi e ainda é fonte de atenção e tensão em toda empresa. Executivos, Diretores, Gestores, Administradores, Gerentes permanecem particionando as empresas em feudos, suas áreas de gestão. Mesmo que trabalhando juntos ou coordenados para construir os mesmos objetivos, decorrentes de interpretações, não necessariamente iguais do propósito, da visão, da missão, dos valores e da ética da empresa.
O número de estudos, trabalhos, publicações, livros e cursos sobre gestão preenche várias bibliotecas. Formatos revolucionários de gestão são criados para romper os diversos problemas identificados nestes estudos. Muitos revolucionam as formas de trabalho com mais ou menos sucesso. São reais avanços na construção de empresas melhores.
Gestão sempre é necessária se há recursos finitos e prazos que pressionam a operação. A gestão sempre envolve a necessidade de administrar a escassez, seja de tempo, material, recursos físicos, humanos ou financeiros.
A escassez leva a conflitos que devem ser resolvidos dentro da empresa. Se dois pontos ou áreas de gestão (ou feudos) disputam recursos para resolver um problema no caminho do trabalho realizado pela empresa, esta disputa é, em geral, levada a um nível hierárquico superior ou de decisão para ser resolvida. Pode ser um supervisor hierárquico, um comitê com representantes de todos os envolvidos ou outros tipos de fóruns de decisão mais coletivos em empresas com gestão participativa.
O modo de responder a estes conflitos é muitas vezes chamado de Governança.
Neste ponto está gerada uma dissonância entre o que se entende e o que é a Governança na empresa.
Governança nesta situação é a especificação dos direitos de decisão e das diretrizes associadas para se atingir os comportamentos e resultados desejáveis. Confunde-se assim com um mecanismo, processo ou estrutura para resolver conflitos de Gestão. É reduzida na sua amplitude e importância para ser um sistema com perspectivas imediatistas (decisão imediata), operacionais (como fazer) e organizacionais (quem faz).
Governança na empresa é muito mais relevante . Seu escopo completo corresponde a um “Sistema formado por princípios, regras, estruturas e processos pelos quais as organizações são dirigidas e monitoradas com vista à geração de valor sustentável para a organização, para seus sócios e para a sociedade em geral” (como definido pelo IBGC).
Este Sistema de Governança não é imediatista, não está focado em resolver questões gerenciais que se impõem a cada decisão e movimento da empresa. Deve ocorrer o oposto: os processos gerencias e as decisões do dia-a-dia devem ser resolvidos orientados pelo o que o Sistema de Governança da empresa estabelece como direção e como forma de responder as necessidades de monitoração estabelecidas. Cabe aos gestores tomarem suas decisões em função de perseguir a direção estabelecida e serem capazes de acompanhar os resultados de suas decisões dentro da estrutura de monitoração que foi prevista.
A grande barreira é a necessidade de percolar a visão e o entendimento do Sistema que é a Governança para todos os colaboradores da empresa. Ajustar a forma, o meio e o nível de detalhe (ou o inverso, o nível de abstração) da comunicação para cada colaborador. A metáfora da construção da catedral é aqui representativa: do artesão que coloca um tijolo, ao arquiteto que conceitua os símbolos religiosos no projeto da catedral. Todos e cada um deve saber "o que" e "para que”, nos seus níveis de habilidade, estão construindo uma catedral. Comunicar e fazer que todos entendam, permite a ação imediata de cada a um, no seu nível, tomando as decisões mais adequadas alinhadas ao Sistema de Governança da empresa.
A flexibilidade característica de qualquer mundo operacional não deve ser coibida pela Governança. Por mais que um processo ou rotina operacional seja padronizado e estabelecido, cabe aos seus executores e gestores entenderem em profundidade como este processo deve ser feito e por que deve ser feito dentro de certos parâmetros, com as flexibilidades e possibilidades de falha inerentes à operação. Tanto a execução de um processo operacional, quanto a decisão como executá-lo, sua correção (fazer certo) e sua melhoria (fazer melhor) cabe aos colaboradores e gestores, nos seus níveis de habilidade, tratarem as questões operacionais para se alinharem a este Sistema de Governança que não impõe modos de fazer mas sim limites e formas de monitoração.
A autonomia, a liberdade, e a responsabilização de tomada de decisão dos colaboradores e gestores, muitas vezes chamado de "empoderamento" não é cerceada pela existência de um sistema de governança. Como se tornou chavão na mídia: grandes poderes implicam grandes responsabilidades. Cabe aos responsáveis buscar decisões e soluções que se alinhem com o Sistema de Governança da empresa. Decisões e soluções que efetivamente gerem os valores estabelecidos pelo Sistema de Governança de formas sustentáveis para os indivíduos, empresas, parceiros e para a sociedade.
O Sistema de Governança não impõe também nenhuma estrutura organizacional à empresa. Os líderes e gestores definem como a empresa vai se organizar para executar os processos de trabalho e atender às suas metas e objetivos. Seja qual for a organização e os processos envolvidos, devem, porém, satisfazer o sistema de Governança: princípios, regras, estruturas e processos para a geração de valores esperados e sua monitoração. Neste sentido, o sistema de Governança define, os "guardrails" da estrada, ou os limites do tabuleiro, ou do campo onde os colaboradores - gestores ou não - podem atuar.
A liberdade na formação de uma estrutura organizacional, principalmente para empresas de menor porte, apresenta um risco bem definido pela Lei de Conway 3 que indica que as soluções nas empresas tendem a se organizar segundo suas estruturas organizacionais. Em várias situações, sejam em linhas de montagem, sejam empresas prestadoras de serviço (por exemplo: serviços financeiros) ou empresas envolvidas em produtos não materiais (por exemplo: desenvolvimento de sistemas), os componentes do produto refletem a estrutura da empresa. Em um mundo em constante mudança, é necessário ter na organização flexibilidade que se adeque para atender da forma mais eficiente os objetivos do trabalho, serviços ou produto a ser entregue. O Sistema de Governança não impõe uma organização à empresa, mas estabelece limites para gestores e colaboradores explorarem a melhor organização para gerar valor de forma monitorada.
Considerando uma metáfora muito simplificada, a Gestão dirige a empresa, o automóvel, o Sistema de Governança é a estrada, as regras de trânsito e os radares, que levam ao futuro, à sustentabilidade de resultados, com menores chances de acidentes ... mas sempre há o imprevisível.